Pular para o conteúdo

Para começo de conversa, o que vem na sua mente quando você pensa em cultura? No dicionário, cultura tem múltiplos significados 1- Ato, arte, modo de cultivar; 2- Lavoura; 3- Conjunto das operações necessárias para que a terra produza; 4- Vegetal cultivado; 5- Instrução, saber, estudo; 6- Apuro; perfeição; cuidado. Mas o conceito de cultura vai para muito além dessas percepções gerais e do senso comum.

O que é cultura na antropologia?

Nas Ciências Sociais, em especial na Antropologia, entende-se por cultura o conjunto de práticas, saberes, valores e normas construídos nas interações sociais ocorridas em cada grupo humano em determinado tempo histórico. Segundo a perspectiva antropológica contemporânea, não é possível estabelecer um parâmetro que indique a superioridade entre diferentes culturas. 

Mas a cultura sempre foi entendida dessa maneira?

A reflexão sobre cultura antes da Antropologia científica (que temos hoje em dia se desenvolveu plenamente só a partir do século XX) era perpassada pela compreensão do “outro” a partir dos próprios valores (europeus/ ocidentais) de quem observava.

A 1º fase de reflexão sobre cultura corresponde ao contexto do colonialismo no século XVI, no qual observa-se o avanço europeu sobre as Américas, África, Ásia e Oceania. Viajantes, missionários e exploradores escreviam sobre os povos desconhecidos, conhecendo suas práticas para dominá-los. Assim, a visão sobre cultura é Visão: Etnocêntrica, pois julga as outras culturas a partir da perspectiva particular do povo e cultura a que se pertence (neste contexto é também eurocêntrica).

Como foi o choque de culturas nesse contexto?

Para exemplificar essa reflexão, vamos ler um trecho do livro “O Povo Brasileiro”, de Darcy Ribeiro:

Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Seriam gente do seu deus sol, o criador – Maíra -, que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos (…). Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os índios. Mesmo porque, no seu mundo, mais belo era dar do que receber”. Já o ponto de vista dos europeus era outro: Para os que chegavam, o mundo em que entravam era a arena dos seus ganhos, em ouros e glórias (…) tudo lhes era concedido, sua ação de além do mar, por mais brutal que chegasse a ser, estava permitido pelo papa e pelo rei. Abre-se com esse encontro um tempo novo, em que nenhuma inocência abrandaria sequer a sanha com que os invasores se lançavam sobre o gentio, prontos a subjugá-los pela honra de Deus e pela prosperidade cristã.

Nesse sentido, os trechos do livro “O Povo Brasileiro” destacou as primeiras percepções dos índios sobre os portugueses, criaturas misteriosas, nunca vistas antes por eles; A visão dos portugueses sobre as terras brasileiras corresponde à exploração e espoliação de riquezas, subjugando os indígenas.

fotografia do antropólogo Darcy Ribeiro, autor de O povo brasieliro
Antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro

Percebeu como a reflexão sobre cultura operava no contexto da colonização?

Nela, a compreensão do “outro” se dava a partir dos próprios valores de quem observava; Através das relações de poder, os portugueses julgavam a sua própria cultura como superior, e isso integrava a justificativa para a subjugação e dominação desses povos. Ainda vamos estudar outras fases de análise da cultura e aspectos de nossa própria cultura!

Imperialismo e Evolucionismo

Até agora, identificamos o que é cultura e como a antropologia pensa essa noção. A partir deste momento, iremos entender a 2ª fase do conceito de cultura, em que o evolucionismo cultural está associado ao contexto do imperialismo. Nele, a cultura estava articulada à ideia de sistematização do conhecimento sobre as populações nativas. O Imperialismo do século XIX consistiu num tipo de política expansionista das principais nações europeias, que objetivavam a busca de mercado consumidor, de mão de obra barata e de matérias-primas para o desenvolvimento das indústrias.

O Imperialismo está relacionado ao Neocolonialismo, ou seja, um novo processo de colonização mundial, dessa vez correspondendo à África, Ásia e Oceania. Você sabia que cerca de 25% das terras do planeta foram ocupadas por alguma potência imperialista? Nesse contexto, surgiu a Antropologia Evolucionista, que teve como principais expoentes Lewis Henry Morgan (1818- 1881), Edward Tylor (1832-1917) e James Frazer (1854-1941).

Características da antropologia evolucionista

Segundo a perspectiva evolucionista, haveria uma escala (barbárie, selvageria e civilização) predeterminada de evolução das culturas, como se todas tivessem que passar pelos mesmos estágios rumo à civilização (tida como modelo ideal). Essa discussão é pautada sob o ponto de vista da evolução das estruturas biológicas do homem. Assim, a antropologia do século XIX está em diálogo com o Darwinismo Social. Essa teoria considera que as sociedades indígenas eram exemplares “mais primitivos”, enquanto a sociedade europeia era o apogeu do processo evolucionário.

O evolucionismo está articulado ao etnocentrismo: a forma de valorizar o próprio grupo em detrimento dos outros, considerando os seus próprios costumes como superiores, é o etnocentrismo, tido como base para esse processo de imperialismo. O principal mecanismo utilizado por esses antropólogos para estabelecer essa gradação era o avanço tecnológico. Quanto mais elaborados eram suas técnicas e instrumentos, mais evoluído seria o agrupamento humano. No topo dessa escala, estaria a cultura ocidental capitalista cristã, da Europa do século XIX. Na base, as culturas que viviam da caça e da coleta.

Passamos por alguns pensamentos da antropologia evolucionista, que apesar de ter um caráter etnocêntrico, foi um início para novas fases da antropologia, agora mais humanista, como veremos no relativismo cultural.

O relativismo cultural de Franz Boas

Entre um executivo de Nova Iorque e um aborígine australiano há imensas diferenças, mas uma coisa em comum: ambos são humanos! A diversidade da experiência humana é o objeto principal da Antropologia. Podemos dizer que a Antropologia se dedica ao estudo da diferença, usando como exemplo as várias formas que as sociedades escolhem para viver e organizar sua coletividade. No contexto correspondente à 2° metade do século XIX, o mundo assistiu à expansão do sistema capitalista, na forma do colonialismo europeu. Isso levou as sociedades ocidentais a intensificar cada vez mais o contato com outras populações nos quatro cantos do mundo.

Inicialmente, a Antropologia se dedicou a entender as sociedades chamadas “primitivas”, sociedades não ocidentais, que hoje os cientistas denominam sociedades de “pequena escala” ou, ainda, “sociedades simples”. Esse é o contexto de produção das teorias antropológicas evolucionistas, através das obras de Morgan, Tylor e Frazer.

A crítica às teorias evolucionistas

As teorias evolucionistas foram criticadas por Franz Boas. O autor foi um dos principais expoentes do conceito de diversidade cultural. Ao contrário dos evolucionistas, Franz Boas tinha como objetivo o estudo “das culturas”, no plural, e não “da Cultura”, no singular. Para Franz Boas, “cada cultura representava uma totalidade singular”.

O autor assinala que “um costume particular só pode ser explicado se relacionado ao seu contexto cultural”. Isso está relacionado à ideia de que cada cultura é dotada de um “estilo” particular que se exprime através da língua, crenças, costumes, arte, mas não apenas desta maneira. Este estilo, este “espírito” próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos.

Em síntese, o conceito de relativismo entende: as culturas a partir dos seus próprios termos e também o “outro” a partir dos seus próprios termos. Após o salto na interpretação de culturas, a antropologia se desenvolveu enquanto ciência! Desde o começo do século XX, a Antropologia tornou-se fonte de conhecimentos sobre a diferença cultural, desempenhando papel importante na garantia e na defesa dos direitos de diversas populações consideradas “diferentes”.

Os objetos privilegiados desse contexto foram as culturas indígenas. No decorrer do processo de seu desenvolvimento científico, a Antropologia também passou a buscar entender o que acontece no interior das sociedades ocidentais, desenvolvendo a Antropologia urbana. Diferenças internas presentes nas sociedades ocidentais passaram a ser objeto de investigação antropológica, ampliando o diálogo com outras ciências sociais.

Conhecemos então uma nova fase da antropologia, baseada no relativismo cultural. Vimos algumas ideias de Franz Boas, um de seus expoentes. Essa nova fase é marcada pela compreensão das particularidades de cada cultura! Na próxima aula, aprofundaremos os conhecimentos sobre a antropologia como ciência.

VAMOS RELEMBRAR…

A ANTROPOLOGIA estuda as CULTURAS com base no RELATIVISMO CULTURAL.

A antropologia é uma ciência dedicada ao estudo abrangente dos seres humanos. A antropologia compreende o ser humano simultaneamente nas dimensões biológica, cultural e social.

Termo de origem grega, composto por “antropos” (pessoas, seres humanos) e “logos” (conhecimento).

Ela possui a perspectiva da DIVERSIDADE, já que vivemos em sociedades MULTICULTURAIS.

CONCEITO DE CULTURA

Nas Ciências Sociais, em especial na Antropologia, entende-se por cultura o conjunto de práticas, saberes, valores e  normas construídos nas interações sociais ocorridas em cada grupo humano em determinado tempo histórico.

1ª FASE DO CONCEITO DE CULTURA

Contexto: Colonialismo no século XVI.

Avanço europeu sobre o mundo.

Visão: Etnocêntrica, pois julga as outras culturas a partir da perspectiva particular do povo e cultura a que se pertence.

2ª FASE DO CONCEITO DE CULTURA

Contexto Imperialista (século XIX): Sistematização do Conhecimento sobre as populações nativas.

Surgimento da Antropologia Evolucionista;

Perspectiva: existência de uma escala predeterminada de evolução rumo à civilização (tida como modelo ideal).

3ª FASE: FRANZ BOAS E A DIVERSIDADE

O autor foi um dos principais expoentes do conceito de diversidade cultural.

Ao contrário dos evolucionistas, Franz Boas tinha como objetivo o estudo “das culturas”, no plural, e não “da Cultura”, no singular.

Texto de apoio às aulas de sociologia disponibilizado pelo Aula Paraná

Gostou do conteúdo? Compartilhe com mais pessoas

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on whatsapp
WhatsApp
Share on telegram
Telegram
Share on email
Email
Share on print
Imprimir

Lista de Conteúdos