Pular para o conteúdo

Cidadania no Brasil (Parte 1)

Cidadania no Brasil de José Murilo de Carvalho

Por Jeniffer Modenuti

Parte I
Primeiros Passos 

O primeiro capítulo visa analisar o período que vai da declaração da independência, em 1822, até o fim da Primeira República, em 1930. 
Do descobrimento à Independência, o Brasil viveu sob o domínio da Coroa Portuguesa. A sociedade era monocultura, latifundiária, escravocrata e submetida ao pacto colônia, que limitava o desenvolvimento interno em prol do crescimento da Metrópole. 
A grande exploração da mão de obra escrava, a não valorização da educação, a intensa desigualdade e concentração de poder contribuíram para que a cidadania permanecesse acuada. 
O poder concentrado nas mãos dos proprietários era uma marca da sociedade brasileira, e uma mancha para a sua cidadania. O patrimonialismo era um entrave à constituição dos direitos civis. 
Portanto escravos não podiam ser cidadãos porque eram vistos como propriedades e instrumentos de trabalho. O homem livre, tampouco, pois era ignorante em relação aos direitos. Nem mesmo os senhores poderiam ser cidadãos, pois suas práticas autoritárias e patrimonialistas iam em desacordo com o ser cidadão. Isso se via diante a inexistência de um poder público que garantisse a igualdade de todos perante a lei. 
Com a Independência, um ponto importante, no aspecto do progresso da cidadania, foi a Lei Áurea de 1889. No entanto, isso não significou a inserção dos escravos libertos à sociedade, ou aos direitos civis. 
A abolição da escravatura só se deu em um momento em que a população era escrava já não era significativa, nesse sentido, a lei apenas formalizou uma realidade já colocada. Não houve preocupação em promover educação, emprego ou justiça a essa parcela da população inferiorizada por sua cor. 
O processo de independência foi um acordo político, que não envolveu a sociedade em seu desenvolvimento. A monarquia foi mantida em vistas à preservação da ordem e unidade, e mesmo que a constituição de 1824 promulgasse a separação entre os poderes (Moderador, Executivo, Legislativo e Judiciário), e além disso, regulamentasse as eleições, o povo, em sua ignorância, submissão e analfabetismo, ainda estava restringido do processo político. Para agravar ainda mais o quadro, a corrupção dos políticos manipulava o eleitor e os resultados. 
Enquanto desde 1824 os homens pobres e analfabetos pudesse votar, isso geraria insegurança aos políticos, além dos gastos com a manipulação e compra de votos. Então, em 1881, foi aumentado a renda exigida, proibido a participação de analfabetos e o voto passou a ser facultativo. Desse modo, 90% da população chegou a ser excluída do processo eleitoral, um retrocesso aos direitos políticos. Fato que permaneceu durante os primeiros anos de República. 

Brasil caminhou para trás, perdendo a vantagem que adquirira com a Constituição de 1824. E mais grave é que o retrocesso foi duradouro. A proclamação da República, em 1889, não alterou o quadro. A República, de acordo com seus propagandistas, sobretudo aqueles que se inspiravam nos ideais da Revolução Francesa, deveria representar a instauração do governo do país pelo povo, por seus cidadãos, sem a interferência dos privilégios monárquicos. No entanto, apesar das expectativas levantadas entre os que tinham sido excluídos pela lei de 1881, pouca coisa mudou com o novo regime. (CARVALHO, 2002, p.39-40). 

Com a Primeira República se descentralizou o poder e aproximou os governos dos Estados e municípios. Contudo, se fortaleceram as alianças entre as oligarquias locais e governo, promovendo o sistema político dos coronéis, o Coronelismo, sendo bloqueada qualquer tentativa de oposição. Práticas de coerção eram comuns, como os votos de cabresto, os currais eleitorais e o mandonismo local com direito de vida e morte sobre quem vivesse no território do Coronel. 

A lei, que devia ser a garantia da igualdade de todos, acima do arbítrio do governo e do poder privado, algo a ser valorizado, respeitado, mesmo venerado, tornava-se apenas instrumento de castigo, arma contra os inimigos, algo a ser usado em benefício próprio. Não havia justiça, não havia poder verdadeiramente público, não havia cidadãos civis. Nessas circunstâncias, não poderia haver cidadãos políticos. Mesmo que lhes fosse permitido votar, eles não teriam as condições necessárias para o exercício independente do direito político. (CARVALHO, 2002, p.57). 

Até os dias de hoje podemos observar as consequências disso, onde a igualdade está apenas na lei. 
As oligarquias paulista e mineira, conhecidas como República Café com Leite, dominaram o cenário político nacional até 1930, em um cenário de fraudes, patrimonialismo e exploração dos trabalhadores rurais e urbanos, que ascendiam. Não houve movimentos populares com forças suficientes para exigir mudanças antes de 1930. 
Em 1920, havia no Brasil 275.512 operários urbanos. Muitos operários mantinham ligação com os Anarquistas europeus, e nos últimos anos da Primeira Guerra Mundial, os eles chegaram a organizar uma grande greve geral. 
Os conflitos de interesses dentro dos próprios movimentos e a repressão eram empecilhos que se colocavam. Além disso, aprovaram-se leis para expulsar os anarquistas. O Partido Comunista do Brasil, surgido em 1922, criou oposição ao anarquismo colaborando para sua dissolução. 
Os movimentos operários significaram um avanço para a cidadania: ao lutar por direitos básicos, como os direitos sociais, a legislação para o trabalho e aposentadoria, eles colaboram para os direitos civis. 
Os direitos sociais eram precários, ficando a encargo da assistência social que partia de setores privados ou da igreja. O Estado se isentava de fornecer educação ou intervir na regulamentação trabalhista. A criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensão para os ferroviários, de 1923, foi a primeira lei para assistência social que partiu da República. Já na zona rural, os coronéis usavam benefícios e assistência social como moeda de troca à submissão. 
Mesmo com toda a submissão e pouca participação, sempre houve no brasileiro o cidadão em potencial, tal qual nas revoltas do período Regencial: 
Em todas essas revoltas populares que se deram a partir do início do Segundo Reinado verifica-se que, apesar de não participar da política oficial, de não votar, ou de não ter consciência clara do sentido do voto, a população tinha alguma noção sobre direitos dos cidadãos e deveres do Estado. O Estado era aceito por esses cidadãos, desde que não violasse um pacto implícito de não interferir em sua vida privada, de não desrespeitar seus valores, sobretudo religiosos. Tais pessoas não podiam ser consideradas politicamente apáticas. (CARVALHO, 2002, p.75). 

O povo não tinha lugar no sistema político: até 1930 não havia povo organizado politicamente, já que a participação na política nacional era limitada a pequenos grupos. O povo via a política com distância. Quando o povo reagia, era para lutar contra os abusos da autoridade. 

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.