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Imaginação Sociológica

Raramente temos consciência da complexa ligação entre nossas vidas e o curso da história mundial, e mesmo assim somos a todo os momentos bombardeados por informações. Vivemos a idade do fato, onde a informação nos domina, ainda que nos falte razão, lucidez e capacidade de conseguir absorver toda ela.

E pior ainda: nós tendemos a ter percepções superficiais, por vezes falsas da nossa realidade, porque não somos capazes de compreendê-la em sua integralidade. isso é normal. o ser humano possui suas limitações

por isso precisamos exercitar nossa mente para conseguirmos compreender o cenário histórico mais amplo. Para isso, precisamos de muita imaginação e criatividade. Pensando nisso, o sociólogo norte americano Charles Wright Mills nos presenteou com a imaginação sociológica

perfil do sociólogo charles wright mills

Quando falamos de imaginação sociológica estamos nos referindo a uma atitude metodológica, mas também a um exercício, uma prática cotidiana. Os cientistas, os jornalistas, professores e os artistas o fazem em seus trabalhos diário, mas você também é convidado a praticar, porque a imaginação sociológica é emancipadora, nos ajuda a nos tornarmos cidadãos melhores, mais politizados, mais empáticos.

e a primeira coisa que precisamos ter em mente é a seguinte fórmula: biografia e História.

Nós somos indivíduos e temos nossa biografia, somos únicos, temos nossa própria história de vida, com nossas próprias experiências que nos tornam o que somos. A nossa identidade. E eu não estou falando de um RG, um número de matrícula, e sim daquilo que você é, em seus aspectos psicológicos, emocionais, das escolhas que você faz na sua vida, nos seus gostos e preferências, nos seus traços culturais que compartilha.

Mas cada indivíduo, como eu e você, vivemos dentro de uma sociedade, com sua estrutura, grupos, instituições, e todos os seus condicionamentos que determinam as regras, normas e padrões dessa nossa sociedade. O mundo ao nosso redor, que já estava aqui antes de nascermos, E esse mundo também tem a sua História. Nós somos um produto histórico. Tudo o que está dentro da História da nossa sociedade determina nossa biografia, determina quem somos. Mas eu e você juntos estamos agora construindo a História do futuro também, determinando o que vai ser manter de velho e o que virá de novo nas estruturas sociais.

Nas palavras de Charles Wright Mills, a imaginação sociológica nos permite compreender a História e a biografia e a relações entre ambas, dentro da sociedade. Isso significa analisar a conexão da nossa vida cotidiana com os problemas sociais. É um pensamento que estabelece conexões mais amplas das relações entre indivíduo e sociedade.

Nós já vimos em outros vídeos aqui do click sociológico que o ser humano tem a característica da sociabilidade, e o tempo todo estabelece interações, transmite conhecimentos, determina e segue regras, normas e padrões de acordo com os grupos sociais de que participa, e obedece aos procedimento das instituições sociais que estruturam a nossa sociedade. Então por isso que a imaginação sociológica é tão importante, porque nós somos esse elemento de reflexão desse mundo que precisa ser pensado, que precisa ser questionado, para que possa ser um mundo melhor.

Mas é claro que não tem como darmos conta de sairmos questionando qualquer coisa. Por isso existem as questões sociais. E elas são as principais questões públicas para a coletividade, são as principais preocupações dos indivíduos em nossa época.

Se formos usar a imaginação sociológica hoje, poderíamos refletir sobre a questão da violência contra a mulher. Uma mulher sozinha sofrendo opressão em seu lar pode ser uma questão individual, mas quando olhamos pra uma sociedade, que todo o ano estupra, tortura, mutila e mata tantas mulheres, quanto a sociedade brasileira, podemos dizer que a violência contra mulher é uma questão social que precisa de atenção especial. Nos últimos anos aumentou muito o número de casos de estupros, feminicídios e agressões contra mulheres. Há 10 anos atrás não era assim. Há 50 anos atrás isso ainda era tabu. Há 100 anos, isso nem era falado a respeito. Não se falar sobre violência contra mulher há 100 anos não quer dizer que ela não existisse. Porque existia. Mas hoje, problematizarmos ela aqui mostra como os valores de uma época podem determinar a História de uma sociedade. Assim como a minha biografia, enquanto mulher, determinou também a escolha desse exemplo para esse pequeno exercício de imaginação sociológica.

Além disso meus jovens. Vamos olhar para o nosso contexto atual. Toda a nossa estrutura social está passando por uma crise sem precedentes por causa do coronavírus. Todas as instituições estão sofrendo fortes abalos, o que tem ditado novos procedimentos a serem seguidos por toda a sociedade. O isolamento e o distanciamento social é o primeiro deles. Escolas e universidades estão fechadas, formas de ensino a distância estão sendo regulamentadas às pressas, igrejas estão readequando suas formas de culto, muitas ainda estão resistindo, ainda que essa resistência seja um problema pra saúde de seus fiéis. O desemprego tem crescido a níveis alarmantes, a fome a miséria tem aumentado, e justo nesse momento, em que precisamos que as pessoas estejam em casas, para estarem seguras e se protegerem. Trabalhadores que eram invisíveis, hoje passam a ser vistos como essenciais, como é o caso dos entregadores. Mas, mesmo assim, eles seguem em extrema desvalorização e trabalhando em profunda precarização. E como plano de fundo, temos uma grande crise institucional política, com um extenso conflito dentro dos 3 poderes executivo, legislativo e judiciário, sem contar a instabilidade política e baixa popularidade do executivo. Tudo isso está acontecendo na nossa História, na nossa estrutura social. Olharmos para isso é usarmos nossa imaginação sociológica.

A Sociologia nos ensina a não aceitarmos nada como natural, como pronto e acabado. Porque o ontem não é eterno e imutável. Devemos estranhar o familiar, questionar o comum, olhar por trás dos bastidores da vida cotidiana. Nós somos produto da nossa sociedade, mas também somos construtores da nossa realidade.