A cidadania inclui várias dimensões e pode ser que apenas algumas estejam presentes em uma sociedade. O cidadão pleno seria aquele que exerce os três direitos:
- Direitos Civis: Os direitos fundamentais que garantem a liberdade individual e garantem a existência da sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo: vida, liberdade, propriedade e igualdade perante a lei.
- Direitos Políticos: direito de participar no governo da sociedade, de votar e ser votado. Pode haver direitos civis sem direitos políticos, mas não há como existir direitos políticos sem os direitos civis. Se não há liberdade para opinar e se organizar, os direitos políticos, mesmo existindo formalmente, ficam sem conteúdo. A essência dos direitos políticos é a ideia de autogoverno.
- Direitos Sociais: São os que garantem a participação na riqueza coletiva, como os direitos à educação, trabalho, salário justo, saúde e aposentadoria. Para que eles existam, é necessário que a máquina administrativa do Poder Executivo seja eficiente. Em tese eles podem existir sem os direitos civis e políticos, porém, nesse caso, seu alcance tende a ser arbitrário. Os direitos sociais são os que permitem às sociedades reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um bem-estar mínimo para todos.
T. A.Marshall, autor que desenvolveu a distinção entre as dimensões da cidadania, explicou que ela se desenvolveu lentamente na Inglaterra. Primeiro vieram os direitos civis (séc. XVIII), seguidos pelos direitos políticos (séc. XIX) e pelos direitos sociais (séc. XX).
Essa sequência não é apenas cronológica. Ela é lógica. Os ingleses exigiram o direito de votar graças aos direitos civis que já possuíam. Os direitos sociais só surgiram porque os operários passaram a ter direitos políticos. A única exceção, segundo Marshall, é o direito à educação. Ele é considerado um direito social, mas na verdade tem sido um pré-requisito para a ampliação dos outros direitos. Foi graças ao acesso à educação que a população tomou consciência de que deveria ter direitos civis e políticos e passou a organizar-se para obtê-los.
O cientista político e historiador brasileiro, José Murilo de Carvalhodiz que embora exista uma sequência ideal de conquista dos direitos, ela não é seguida em todos os países. Em alguns lugares, há desvios e retrocessos no caminho que leva à conquista da cidadania plena. O Brasil é um exemplo disso. A alteração da lógica, segundo ele, afeta a natureza da cidadania. Um cidadão inglês acaba sendo diferente de um cidadão brasileiro.
A cidadania se desenvolveu dentro do fenômeno que originou o Estado-nação. A conquista da cidadania, portanto, depende da relação do indivíduo com o Estado-nação do qual sente-se parte e pelo qual cultiva lealdade. A identificação com uma nação depende de fatores como a religião, o idioma e a existência de inimigos comuns. A lealdade ao Estado depende do quanto a pessoa participa da vida política.
Em alguns países, a conquista de direitos dependeu mais da ação do Estado. Em outros, dependeu mais da ação dos próprios cidadãos.
Entretanto, o fato de a cidadania depender do Estado-nação para existir cria um problema. Vivemos uma crise do Estado-nação. Ela é resultado da diminuição do poder dos Estados, que ocorreu por conta do surgimento de blocos econômicos e políticos. A perda de autonomia de cada Estado em relação a esses blocos fez com que as identidades nacionais se alterassem e afetou a natureza dos antigos direitos, principalmente os políticos e sociais.
A internacionalização do sistema capitalista ampliou a competitividade entre os países. A pressão por custos de mão-de-obra cada vez menores afeta o emprego. A exigência de um controle adequado das finanças estatais interfere nos gastos do governo, dos quais depende a existência de direitos sociais.
Com isso, o complexo debate sobre a cidadania foi recolocado em pauta. Carvalho apresenta ao longo do livro uma análise sobre o desenvolvimento da cidadania no Brasil, a partir de vários momentos de nossa história.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.