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Cidadania no Brasil (Parte 3)

Cidadania no Brasil de José Murilo de Carvalho
Por Jeniffer Modenuti

Parte III
Passo atrás, passo adiante (1964-1985)

Em contraste ao aumento da participação popular na política no início da década de 1960, em 1964 ocorre o Golpe Militar que implanta o regime ditatorial e autoritário no Brasil, fazendo com que os direitos civis e políticos fossem duramente limitados.

O período militar pode ser classificado em três fases:

1964-1968: governo de Castelo Branco e Costa e Silva. Momento de combate à inflação e queda do salário mínimo.
1968-1974: Governo do general Medici. Maior repressão política da história do país, intensa restrição aos direitos civis e políticos, censura, e período do “milagre”, com desenvolvimento e crescimento econômico.
1974-1985: governo do general Geisel, Figueiredo e, posteriormente, Tancredo Neves. Período de crise pós “milagre” e reabertura política, com revogação de leis de repressão e ressurgimento da oposição.

Os militares usam do medo do comunismo para legitimar a tomada do poder, assim era possível combater os inimigos. Os Atos Institucionais permitiram a ação legal da violência em favor da Segurança Nacional.

O AI-1, cassou os direitos políticos da população. O AI-2 instaurou eleições indiretas, o bipartidarismo forçado, ampliou o poder nas mãos do executivo. Foram cassados mandatos e suspenso direitos políticos de grande número de líderes políticos, sindicais, de intelectuais e de militares.

O pior AI foi decretado em 1968, atingindo os direitos civis e políticos. Era uma forma de calar a oposição e a população que se manifestava contra o governo militar e a favor da democracia, se concentrando com maior força contra estudantes e trabalhadores urbanos.

Contudo em 1968 também houve o “milagre econômico brasileiro”. O governo de Médice manteve a contradição: forte repressão, mas também grande crescimento econômico e desenvolvimento. Contudo aos poucos se tornou evidente que a desigualdade também se intensificou nesse período, apesar do crescimento.

Ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os governos militares investiam na expansão dos direitos sociais (CARVALHO, 2002, p. 170). A avaliação dos governos militares, sob o ponto de vista da cidadania, tem, assim, que levar em conta a manutenção do direito do voto combinada com o esvaziamento de seu senti do e a expansão dos direitos sociais em momento de restrição de direitos civis e políticos (CARVALHO, 2002, p.172-173).

Entre os anos de 1966 e de 1974 foram criados pelo governo mecanismos de distribuição de direitos sociais aos trabalhadores, muito semelhante às garantias colocadas por Vargas em meio ao Estado novo.

1966: com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) a previdência passou a ser controlada totalmente pela burocracia estatal. Sindicatos urbanos perdem sua força política.
1966: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que funcionava como um seguro-desemprego, pago pelos empresários e retirado pelos trabalhadores em caso de demissão.
1966: Criou-se também um Banco Nacional de Habitação (BNH), cuja finalidade era facilitar a compra de casa própria aos trabalhadores de menor renda.
1971, foi criado o Fundo de Assistência Rural (Funrural), que incluía os trabalhadores rurais: direito a aposentadoria e pensão, além de assistência medica. Essas aposentadorias eram equivalentes, ou até superiores aos baixos salários pagos nas áreas rurais.
1972 e 1973 empregadas domésticas e trabalhadores autônomos foram incorporados à previdência. Ficando de fora apenas trabalhadores informais.
Como coroamento das políticas sociais, foi criado em 1974 o Ministério da Previdência e Assistência Social

Em 1974, o general Ernesto Geisel deu indicações de que estava disposto a promover um lento retorno à democracia. A abertura começou em 1974, quando o general presidente diminuiu as restrições a propaganda eleitoral, e deu um grande passo em 1978, com a revogação do AI-5, o fim da censura previa e a volta dos primeiros exilados políticos. (CARVALHO, 2002, p.173).

Argumentos para a reabertura política incluíam as convicções ideológicas de Geisel eram liberais, embora não democráticas. Ele seguia a mesma linha política de Castelo Branco, que foi derrotado pelos setores autoritários. Com o general Geisel voltávamos liberais conservadores. Além disso, em 1970 houve a crise do petróleo e se inicia a crise pós anos do “milagre econômico”. Assim, seria melhor promover a redemocratização enquanto ainda houvesse prosperidade econômica do que ter de fazê-lo em época de crise.

Em meio à crise, as forças armadas tinham uma imagem desgastada: muitos militares passaram a ocupar cargos políticos, públicos, administrativos e privados. A ambição por poder e lucro manchou a imagem do militar. Isso se agravou ainda mais com os crimes de sequestro e torturas cometidos.

A partir de 1974,Geisel permitiu propaganda eleitoral com acesso a televisão para senadores e deputados. O governo foi amplamente derrotado. Em resposta a isso, o governo suspendeu o Congresso por 15 dias e decretou as “mudanças salvadoras”. Ainda assim, o Congresso votou, em 1978, o fim do AI-5, o fim da censura prévia no rádio e na televisão, o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos, e atenuações na Lei de Segurança Nacional e, um ano mais tarde, a anistia.

Contudo, a Anistia era polêmica, pois também anistiava agentes do governo acusados de apreensões, torturas e assassinatos.

Ainda em 1979 o bipartidarismo forçado cede espaço ao surgimento de novos partidos.

Todos os partidos brasileiros, antes e depois de 1964, com exceção do Partido Comunista, tinham sido criados por políticos profissionais ou por influência do Poder Executivo, e haviam sido sempre dominados por membros da elite social e econômica. O PT surgiu de reunião ampla e aberta de que participaram centenas de militantes. (CARVALHO, 2002, p.176).

Geisel também adotou maior controle sobre os órgãos de repressão, mas não escapou ao escândalo e à comoção pública do assassinato de Vladimir Herzog, que teve grande expressão, uma vez que à época, 1975, havia uma maior liberdade de imprensa.

A direita militar ainda resistiu durante o Governo do general Figueiredo, recorrendo a ações terroristas nos anos de 1980 e 1981.Embora tivesse sido escolhido pelo general Geisel para ocupar a presidência, o general Figueiredo não tinha a mesma vontade política de seu antecessor para acabar com o terrorismo militar. (CARVALHO, 2002, p.178).

Desde as medidas de reabertura, houve, a partir de 1970, a retomada de movimentos sociais que já existiam, e também o surgimento de novos movimentos de oposição. Isso se destacou com o movimento sindical e com a criação do PT (Partido dos Trabalhadores).
Setores mais envolvidos: o de bens de consumo durável e de bens de capital.

O movimento começou em 1977, com uma campanha por recuperação salarial, e culminou em 1978 e 1979, com grandes greves que se estenderam a outras partes do pais. Em 1978, cerca de 300 mil operários entraram em greve; em 1979, acima de 3 milhões, abrangendo as mais diversas categorias profissionais, inclusive trabalhadores rurais. Eram as primeiras greves desde 1968. (CARVALHO, 2002, p.180)

Sindicatos rurais: os sindicatos rurais eram fortemente assistencialistas, então não se esperava muita mobilização por parte deles. Contudo, a violência nos conflitos de terra, ao lado da Comissão Pastoral da Terra, acabou levando a mobilização dos trabalhadores rurais.
Sobre a igreja: 1975, no espirito da teologia da libertação, (voltada para os pobres e oprimidos, com aproximações com o marxismo, movimentos sociais urbanos e com o PT), surgiram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e a igreja passa a fazer oposição ao regime militar. Por sua força, não se intimidou e se tornou um suporte da luta contra aditadura.
De início, houve reação do governo, intervenção nos sindicatos, brutalidade policial, prisão de lideres, inclusive perseguição a padres.

Além da Igreja Católica (CEB e CNBB), quatro outras organizações se afirmaram como pontos deresistência ao governo militar:

1. a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
2. a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Ambas possuíam interesses corporativos vinculados a sua luta. Na questão da ABI isso se faz evidente, pois a imprensa precisa de liberdade para sua produção e para os meios de comunicação “A censura à imprensa e aos meios decomunicação em geral, sobretudo a censura previa, não podia deixar de merecer a repulsados jornalistas” (p.186).
3.  a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que se dedicava exclusivamente a assuntos profissionais relacionados à pesquisa cientifica. Tinha forte mobilização por parte dos acadêmicos nacionais.
4.  Artistas e Intelectuais; Menos organizados, mas muito eficientes na ação oposicionista, Compositores e músicos são muito reverenciados por sua luta contra o Regime, isso graças popularidade e representatividade.
No reforço dos direitos civis em luta por direitos político, acontece em 1984: as Diretas Já! Embora não tenha obtido vitória, a campanha pelas eleições diretas para presidente foi o auge da mobilização popular. Em meio a isso 

abandeira nacional foi recuperada como símbolo cívico. A última vez em que fora usada publicamente tinha sido nas manifestações de nacionalismo conservador e xenófobo do governo Médici. Mais que tudo, o hino nacional foi revalorizado e reconquistado pelo povo. (CARVALHO, 2002, p.189).

O candidato do governo perdeu pelo colégio eleitoral, vencendo Tancredo Neves, e demarcando assim, o fim do Regime Militar.

Os governos militares repetiram a táctica do Estado Novo: ampliararn os direitos sociais, ao mesmo tempo em que restringiram os direitos políticos.Pode-se dizer que o autoritarismo brasileiro sempre procurou compensar a falta de Liberdade política com o paternalismo social. (CARVALHO, 2002, p.190)

Alguns pontos a serem observados:
Vargas era uma liderança política que mobilizava trabalhadores, o mesmo carisma não tinha presença nos governos dos militares. Era preciso criar mecanismos de obediência. Porém o custo para manter o governo era alto, e a situação internacional não era favorável ao autoritarismo, como ocorreu em 1930. E manter a fachada da democracia também era um custo, pois era preciso manter o funcionamento dos partidos e do Congresso. A manutenção do sistema previdenciário também gerava gastos ao governo e ia contra interesses corporativos.

Por outro lado, o Governo tinha apoio no setor rural. “Foi sobre ele, sem dúvida, que a ação social do governo se fez sentir com maior força e redundou em ganho político muito grande. Os trabalhadores rurais sentiam-se pela primeira vez objeto da atenção do governo” (CARVALHO, 2002, p.191). As zonas rurais foram as últimas a se colocar contra o governo militar.

Nas cidades, os operários urbanos, mantiveram direitos conquistados e ainda ganharam alguns novos. O que permitiu, durante o milagre econômico a sua passivizaçãotanto quando o “milagre” econômico fechou os olhos das classes médias para a retirada dos direitos políticos. O fim do “milagre” faz o governo perder o seu crédito com essa camada da população.

O fim do “milagre” também afeta os operários, junto a isso, a reabertura faz eclodir movimentos ainda mais difíceis de controlar.

Assim, o efeito negativo da introdução de direitos sociais em momento de supressão de direitos políticos foi menor durante os governos militares do que no Estado Novo. (CARVALHO, 2002, p.192). Ainda do lado positivo, a queda dos governos militares teve muito mais participação popular do que a queda do Estado Novo, quando o povo estava, de fato, ao lado de Vargas.A ampliação dos mercados de consumo e de emprego e o grande crescimento das cidades durante o período militar criaram condições para a ampla mobilização e organização social que aconteceram após 1974.0 movimento pelas eleições diretas sem 1984 foi o ponto culminante de um movimento de mobilização política de dimensões inéditas na história do pais. (CARVALHO, 2002, p.192-193).

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.